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  • Foto do escritorLeo C. Arantes

Dark - 1ª temporada - Sem Spoilers

Atualizado: 23 de dez. de 2021


A primeira série alemã do catálogo da Netflix não ficou só na promessa de fazer frente a outros títulos, também originais e tão aclamados do site como Stranger Things (que hora ou outra é usada em comparação à Dark), mas surpreendeu, sem, entretanto se apoiar nos créditos de sua “irmã” mais conhecida para construir sua própria fama. Com roteiro fortemente baseado nas teorias sobre o tempo de Albert Einstein e um clima bem dark (com perdão do trocadilho), o seriado apresenta uma misteriosa cidadezinha no interior da Alemanha, onde misteriosos desaparecimentos voltaram a acontecer depois de 33 anos.

Roteiro

Em sua primeira, e chocante, cena, a série já começa a nublar a nossa a mente: em 21 de junho de 2019, um homem de feições fortes se enforca em seu ateliê e deixa uma carta, com dia e hora marcadas para ser aberta, 4 de novembro do mesmo ano, às 22:13. Quem é o homem? Porquê se matou? O quê está escrito na carta? Porquê dia e hora marcada para ser lida? As perguntas são muitas, mas é apenas o início das inúmeras dúvidas que se amontoam acima de nossas cabeças. Fato este, que se tornou o motivo principal de muitas pessoas deixarem de assistir a produção, pois com tantos questionamentos, acaba sendo quase impossível encaixar todas as peças sem ver e rever alguns trechos, além da atenção contínua à tela, que aqueles que assistem com legendas devem prestar, devido ao idioma pouco conhecido pela maioria dos espectadores.

Viagem no tempo, entrelaçamento temporal, árvores genealógicas complexas e paradoxais, paradoxos temporais, radiação e apocalipse nuclear, além de temas filosóficos como existencialismo, determinismo, livre-arbítrio e metafísica (ufa). Os produtores-executivos e idealizadores da série, o casal alemão Jantje Friese e Baran bo Odar, criaram uma amalgama de vários motes próprios da ficção científica que a primeira vista poderiam não se associar muito bem, mas que surpreendentemente se tornaram uma fórmula de sucesso.


A virtude fundamental da dupla criativa foi balancear com perfeição todos esses aspectos, sem descambar pra um roteiro extremamente autoexplicativo cheio de teorias científicas ou oculto demais, onde tudo parece estar velado, longe das nossas vistas. A palavra-chave para o argumento principal é “orgânico”; tudo na série flui num ritmo cadenciado, mas contínuo, sem parecer lento quando está explicando algo em detalhes ou acelerado quando quer levar a trama a algum ponto.


Para justificar o plote científico do enredo os produtores se basearam na Teoria da Relatividade Geral, tese através da qual o físico alemão Albert Einstein dizia ser possível realizar viagens no tempo, e os estudos de François Englert e Peter Higgs a cerca da partícula elementar, que teria surgido junto com Big Bang, o Bóson de Higgs, sem a qual não seriam formados os átomos, e o Universo seria só um amontoado de partículas flutuando por aí, daí seu apelido, Partícula de Deus, como ela é designada no seriado; junta-se a isso a onipresente usina nuclear da cidade, que carrega uma aura obscura, escondendo segredos que vão além das medições anômalas frequentemente detectadas por lá. Somado a isso temos uma atmosfera sombria, que é intensificada pela quantidade enorme de chuva, que aparece por quase toda a primeira temporada.

"E aqui vai uma curiosidade, essas duas últimas características, a chuva e a usina nuclear, não estavam no escopo inicial da série. Foram adicionadas durante o início da produção e foram uma colaboração direta das lembranças de infância de Baran bo Odar e Jantje Friese, que ainda crianças foram sujeitos ao terror do acidente nuclear da usina de Chernobyl, ocorrido na Ucrânia em 1986, não coincidentemente, um dos anos em que a série se passa; acidente esse que causou pânico em toda Europa, levando as pessoas a acreditarem que a chuva seria radioativa e que poderia causar câncer, frase também dita por um dos personagens."


E para amarrar tudo isso temos uma coisa rara em séries mainstream: Baran bo Odar dirigiu todos, eu disse todos os episódios, o que solidifica a narrativa, dando coesão a tudo o que acontece, até porque ninguém melhor para contar uma história do que quem a escreveu. Além disso ele ainda insere cliffhangers certeiros (aquele final aberto que só será revelado no próximo episódio), escalando os mistérios da trama, mas sem aumentar a sensação de desordem e confusão. Atenção especial ao 5º episódio que amarra a maioria das pontas soltas, entretanto, não expõem explicações chata e piegas. Tudo tem um propósito e nada passa incólume sem que seja significativo de alguma forma para o todo.

Fotografia

A direção de fotografia está magnífica, transmitindo de maneira deslumbrante todo o desconforto causado pela atmosfera sombria que paira sobre a pequena cidade de Winden e seus habitantes. Diferente das obras genéricas que são lançadas em pencas todos os anos, Dark não cria suspense apenas tirando o brilho e escurecendo a cena; ao invés disso a direção se utiliza ora de longos e angustiantes takes, ora de panorâmicas, dando o sentimento de solidão, ora de closes, que mostram em detalhes as expressões de dor, culpa, saudade e desespero dos personagens. Sem mencionar o contraste e dualismo das cores, como o verde da floresta que muda de uma época para outra e a cor amarela, que distingue o protagonista, Jonas, dos demais personagens, revelando a solidão muitas vezes sentida pelo garoto; que após a trágica morte do pai (Michael, o suicida da primeira cena) tem sua vida virada do avesso e se vê no epicentro das reviravoltas da trama.

Trilha Sonora

Além da fotografia, a trilha sonora também é um personagem a parte. A trilha original fica por conta de Ben Frost, que sincroniza bem os sons do ambiente, aumentando a tensão nas cenas envolvendo a caverna ou a floresta, que por si só já são aterradoras, e tranquiliza os ouvidos do espectador quando a cena é mais descontraída, como por exemplo as que envolvem as crianças. Só não é perfeita porque em alguns momentos as notas mais altas ficam muito evidentes, como que se nos induzisse a algum sentimento, elevando a ansiedade da cena. Já as músicas foram escolhidas a dedo, pois, além de suas notas e ritmo se encaixarem bem ao clima tenso criado pelo roteiro - principalmente pelos vocais, que muitas vezes se assemelham a gritos guturais, dando um tom sobrenatural - elas também tratam de temas cotidianos e recorrentes na série, como solidão, traição e até a própria viagem no tempo.

Dramas Familiares

Falando em temas cotidianos, os dramas familiares são tão bem abordados pelo roteiro que muitas vezes nos perguntamos se não é esse o real argumento da série. Aqui, não são os atos o foco principal, mas as consequências que levam cada um a tomar certas atitudes, que muitas vezes são cruciais para o andamento da trama. E é aí que entra uma das premissas da trama: não é só o passado que influencia o futuro, mas o contrário também acontece. Vemos um personagem, levado pelo desespero, voltar no tempo e cometer um crime, crime este que leva exatamente aos acontecimentos que o deixaram em tal estado de desespero. Tudo isso por um sentimento de culpa, por ter deixado sua família de lado e seguido seus desejos. Outro exemplo é uma família que tem seu lar destruído também por uma traição mas, por se sentirem cômodos com as vidas que levam, decidem apenas não falar sobre o assunto, apenas esquecer o ocorrido, mesmo que isso os corroa por dentro.

Aqui também devemos dar créditos à equipe de casting, que deve ter tido muito trabalho para escolher atores tão parecidos para interpretar os mesmos personagens em idades diferentes. Como assim? Mesmo que em épocas diferentes conseguimos reconhecer cada personagem sem muita dificuldade, pois tanto os atores mirins, adultos e idosos tem traços parecidos que, aliados às atuações muito boas de ambos, conseguem transmitir as mesmas personalidades; e mesmo os sinais e marcas pessoais dos atores foram usados como meio de identificação, sendo estendidos aos seus pares de modo muito convincente pela equipe de maquiagem.

Veredito

Dark faz parte de uma leva de produções europeias fomentadas pela gigante do streaming, com o objetivo de diversificar e engrossar sua lista de obras; é verdade que algumas produções que a Netflix tem lançado com esse intuito têm qualidade questionável, mas de imediato o seriado alemão fez bastante sucesso com o público, principalmente no Brasil, onde foi a série mais assistida na semana posterior à estreia da 2ª temporada, e sobretudo de crítica, já que os episódios do segundo ano chegaram a receber 100% de aprovação no site Rotten Tomatoes. E todo esse sucesso é resultado de uma trama densa e cheia de mistérios sombrios, incorporando elementos de drama, suspense e muita ficção científica, levando-a a ser comparada equivocadamente com Stranger Things que tem tom bem mais leve e investe na nostalgia oitentista. Além do roteiro cientificista e todos os seus recursos narrativos usados de forma primorosa, Dark tem outros méritos que a levaram ao topo da audiência da plataforma: a trilha sonora de tirar o fôlego, que preenche com excelência os vazios existenciais dos personagens e dá vida a elementos inanimados, como a usina nuclear que sempre aparece em tela acompanhada de notas que indicam um tom enigmático e, acima de tudo, a direção de Baran bo Odar, que soube usar todos os recursos audiovisuais, em particular a fotografia, de forma impecável, transmitindo com exatidão suas ideias e mostrando para o mundo como se faz cinema na Alemanha.

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