Leo C. Arantes
Mindhunter - 1ª Temporada

A exemplo de Narcos, a Netflix nos presenteou mais uma vez com uma série policial baseada em em acontecimentos reais, porém com uma pegada mais investigativa. Mindhunter, inspirada em livro homônimo, recria os eventos vividos por Mark Olshaker e John E. Douglas (na série Holden Ford e Bill Tench) no começo da década de 1970, época em que o número de assassinos em série foi às alturas e estudos sobre tais psicopatas começavam a surgir em todo lugar, afim de entender, e quiçá, prever seu comportamento.
Roteiro
Na série os agentes especiais do FBI Holden Ford e Bill Tench estudam Ciências Comportamentais a fim de traçar um perfil mais objetivo dos criminosos americanos na década de 1970, e com a ajuda da psicóloga Wendy Carr, passam a entrevistar alguns dos assassinos mais notórios dos Estados Unidos para poder compreender a fundo a psique e as motivações por trás dos crimes brutais cometidos por eles, com intuito de ajudar na resolução de casos em andamento.
Mindhunter, diferente a grande maioria das séries que abordam o tema, não tem cenas de ação desenfreada, com tiroteios ou perseguições alucinantes, muito pelo contrário, aqui o principal intento é o desenvolvimento dos personagens, especialmente da dupla de agentes federais e seu relação profissional. Com um ritmo mais cadenciado, lento eu diria, e assumindo um tom bem mais intimista que as outras, a série da Netflix funciona quase como um estudo de caso, usando os interrogatórios, que mais parecem palestras, como uma espécie de trabalho de campo para coletar informações que serão usadas para solucionar crimes em curso.

O relacionamento do trio principal, entre eles e entre os outros personagens é seguramente o ponto mais desenvolvido nesta primeira temporada. As dificuldades que Tench tem de se aproxima de seu filho adotivo, o relacionamento conturbado de Ford com sua namorada, Debbie, e a oposição que Carr sofre por ser mulher humanizam os protagonistas e os afastam do esteriótipo de super agentes ou heróis da pátria, mostrando que a frase "baseada em histórias reais" não é apenas para chamar a atenção da audiência.
A interação com os criminosos vai muito além das cenas de interrogatório que já cansamos de ver em filmes e séries policiais, explorando muito mais o lado científico e psicológico do que criminal. Muitas vezes tais entrevistas culminam em monólogos, onde o serial killer expõem toda sua frieza e crueldade, revelando cada passo de suas atrocidades, fazendo o espectador sentir repulsa e agonia a cada ação descrita.
Direção e Elenco
Mindhunter segue a mesma pegada dos filmes de David Fincher, produtor da série e aclamado diretor de Clube da Luta, Se7en e Zodíaco: clima denso e uma fotografia suja, com um filtro verde-acinzentado criando uma sensação desconfortante, mesmo sem mostrar um gota de sangue sequer (com exceção da cena inicial). A série se diferencia justamente neste aspecto, a tensão é criada a partir dos diálogos e situações em que os personagens são submetidos sem a necessidade de cenas de violência explícita. Não há excessos visuais ou sonoros, ficando a cargo da fotografia e da ambientação a missão de nos incomodar. Falando em ambientação, ela está perfeita e é sem demora que percebemos se tratar da década de 1970. O jogo de luzes e contrastes realça ainda mais a atmosfera pesada exigida pelo tema e os subúrbios desertos dão a impressão de que um crime pode ser cometido a qualquer momento.
As cenas de interrogatório, apesar de cheias de questionários, não são um jogo de perguntas e respostas jogadas ao léu, mas tramas concebidas com base no texto não-falado e nos close-ups para expor as nuances das personalidades dos assassinos, que sempre contidos e discretos, crescem com o passar do tempo e em nada se parecem com os criminosos espalhafatosos das séries e filmes atuais.

Também é notável o trabalho do elenco, principalmente Holt McCallany (Bill Tench) que exprime-se como um verdadeiro agente veterano, mais analítico que seu parceiro e que sabe como tomar as rédeas da situação; de igual modo Anna Torv (Wendy Carr) interpretando uma psicóloga que tenta tornar esse estudo mais científico, facilmente assume o comando das cenas em que aparece com sua presença imponente e segura de si. O ponto baixo do elenco principal é Jonathan Groff (Holden Ford) que interpreta o protagonista mas, apesar de sua incrível resiliência frente aos horrores narrados pelos serial killers, não apresenta um desenvolvimento significativo e passa boa parte da primeira temporada com o mesmo rosto inexpressivo. O elenco de apoio também ajuda muito a ambientar o espectador, em especial o núcleo de policiais e figuras importantes do FBI que dão um ar mais solene à série. Sem esquecer os próprios assassinos, que além da assustadora semelhança com os criminosos reais, ainda entregam atuações formidáveis, vide Cameron Britton como o grandalhão Ed Kemper, Happy Anderson como Jeffy Brudos e Jack Erdie como Richard Speck.
Veredito

A série investigativa que conta a história real da dupla de agentes federais que cunharam o termo serial killer tem feito bastante sucesso não só por ser um retrato de homicídios reais da década de 1970, o que sempre é um chamariz para o público, mas também por seu admirável apuro técnico, indo muito além de perseguições e assassinatos brutais. Com os dois pés no chão, a série representa com fidelidade o período sombrio vivido nos Estados Unidos de nascimento de vários dos piores psicopatas que o mundo já viu, fazendo da bela fotografia e da trilha sonora impecável um meio para tornar o clima o mais opressivo possível. Aqui o FBI não é uma máquina de investigação que resolve os casos na base do tiroteio nem se busca um culpado para um crime específico. Em Mindhunter a mente dos criminosos se torna o alvo, não de balas, mas de estudo, para entender o que se para na cabeça de alguém que tira uma vida. Logo em sua primeira temporada já se torna uma das principais obras no catálogo da Netflix e indispensável para os amantes do suspense policial.

4 JOIAS DO INFINITO