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  • Foto do escritorLeo C. Arantes

Solaris - Stanislaw Lem

Atualizado: 11 de mar. de 2022


Escrito por Stanislaw Lem no início da década de 1960, Solaris é um dos melhores exemplos de ficção científica atemporal e um dos pioneiros do subgênero de Space Opera.


Impulsionado pela corrida espacial travada por Estados Unidos e União Soviética, iniciada em 4 de outubro de 1957, quando a URSS colocou em órbita seu primeiro satélite, o Sputinik I, e pela descoberta de que o homem poderia expandir seu ímpeto exploratório para muito além da Terra, o autor polonês deu vida a outro planeta, um tanto peculiar, mas igualmente intrigante e misterioso quanto o nosso lar.

Roteiro

O livro se passa em um futuro distante e acompanha o psicólogo Kris Kelvin, enviado à estação de pesquisa solarística, como é chamada a vertente da ciência responsável por explorar o planeta Solaris, descoberto aproximadamente à 100 anos. Ao chegar à estação que está em órbita do planeta, ele é recebido pelos seus companheiros pesquisadores de forma estranha e percebe que eles estão amedrontados, apresentando comportamento anormal, e é surpreendido pela a notícia de que seu melhor amigo, o também cientista Gibarian, suicidou-se pouco antes de sua chegada.


Sem muito esforço, Kelvin descobre que o motivo de tamanha paranoia entre os membros da tripulação são visões tenebrosas de seus passados, que também passam a ser assolar o protagonista. Tais visões são a materialização de suas memórias reprimidas no fundo de suas mentes, que por algum motivo são manifestadas naquele lugar por uma força incompreensível.


O planeta é diferente de todos os outros conhecidos pela humanidade: orbitando dois sois, um vermelho e outro azul, ele é completamente coberto por um oceano vivo, e talvez até inteligente, o que gerou inúmeras teorias e debates acadêmicos a cerca de sua natureza enigmática. Nem mesmo os tripulantes da estação sabem ao certo o que é real, suscitando dúvidas e questionamento que podem não ter as respostas que desejam encontrar. Seria o oceano o causador das aparições? Estaria ele fazendo algum tipo de jogo ou experimento com seus novos habitantes? Seriam apenas alucinações causadas pela atmosfera tóxica presente naquele planeta? E mais, estariam os "solarianos" dispostos a ir até a última consequência para se livrarem de seu passado, ou a convivência pacífica com essas aberrações é a única solução?

Poster do filme de 2002 com George Clooney
Reflexões Filosóficas

Kelvin narra todos seus passos na estação com uma elegância ímpar, e mesmo nos momentos em que facilmente poderíamos nos perder, como quando ele faz extensas exposições dos estudos científicos, teorias e opiniões que outrora foram temas de debates na Terra, nos sentimos imersos no universo ricamente criado pelo autor. Mas apesar do livro ser escrito em primeira pessoa, o que teoricamente nos colocaria na pele do protagonista, nos sentimos ao lado dele, e não poucas vezes nos questionamos como nos comportaríamos se estivéssemos vivendo a mesma experiência.


Por esse motivo, ao longo das quase 310 páginas somos confrontados frequentemente com reflexões profundas sobre como o homem lida com a solidão, com a sensação claustrofóbica que um ambiente hermeticamente fechado causam à mente humana e com a manifestação do desconhecido, e principalmente com suas mais lúgubres e ocultas memórias.


Se os oceanos quase inexplorados da Terra já nos causam fascínio, imagine o terror que um oceano vivo, repleto de características que mal podem ser descritas em palavras, a milhares de anos-luz, poderia exercer sobre o homem. Stanislaw Lem insere elementos de horror típicos de H.P. Lovrecraft e os mitos de Cthulhu, dando um aspecto senciente ao oceano de Solaris, tornando-o quase como uma entidade cósmica, que manipula com belas exibições plásticas todos aqueles que ousam desafiá-lo, para em seguida subjuga-los.

Pioneiro no Gênero

Além disso a atmosfera da estação é completamente diferente do ambiente que estamos acostumados a ver em obras de ficção científica: seus longos corredores, invariavelmente vazios, dão a sensação que o protagonista pode se deparar com alguma coisa a qualquer momento e a pequena tripulação apenas acentua o sentimento de solidão. Tal como algumas obras posteriores à Solaris, o assombro de imaginar que há algo a mais na nave, além do que se pode ver, causa uma certa agonia que é acentuada com os avisos que Snaut, o primeiro tripulante com quem Kelvin encontra.

Cena do filme de 2002

Essas características evidenciam a grande influência que este livro exerceu sobre diversas outras obras literárias, com seus conceitos transcendendo as mídias e sendo diretamente responsáveis por inaugurar sub-gêneros, tanto de ficção como também de terror. É o casos de filmes como Alien, O 8º Passageiro (1979), Enigma do Horizonte (1997) e Pandorum (2009) e da franquia de jogos Dead Space, que exploram a temática hard si-fi aliada ao medo que a vastidão inexplorada do universo gera e ao isolamento espacial, que impossibilita qualquer ajuda, como diz um dos posteres de Alien: no espaço ninguém pode ouvir você gritar. Ademais, o tom investigativo que Kris Kelvin assume no início da trama, desvendando os mistérios que o cercam por meio de cartas, gravações de áudio e arquivos encontrados em gavetas, armários e laboratórios também se tornariam largamente usados pelos protagonistas de jogos como Alone In The Dark (1992), Resident Evil (1997) e Silent Hill (1999).

Veredito

Solaris vai muito além de uma ficção científica espacial, extrapolando os conceitos de seu gênero, revolucionando-os e subvertendo seus elementos mais característicos, como a estação espacial e seus astronautas que estão ali, mas são apenas um pretexto para abordar temas mais sérios e filosóficos, tão profundos que nossa compreensão de mundo é severamente afetada após a leitura deste clássico. O livro é acima de tudo uma obra sobre a comunicação entre o homem e o ambiente ao seu redor, sobre sua relação consigo mesmo e com suas lembranças, e de como ele lida com suas memórias. O autor usa uma linguagem tão excepcionalmente fluida que ler as descrições minuciosas dos fenômenos que ocorrem no planeta alienígena não se torna uma tarefa enfadonha, e mesmo o detalhe mais abstrato parece simples e facilmente nos pegamos imaginando os movimentos que emanam do oceano. Suas ideias são apresentadas de maneira densa e talvez até complexa, exigindo um pouco mais de concentração do leitor.

os corredores da estação espacial no filme de 1972

Toda essa qualidade fez com que o livro fosse adaptado para os cinemas três vezes, sendo a melhor e mais fiel delas a primeira, de 1972, dirigida pelo diretor russo Andrei Tarkovski, levando o prêmio Grand Prix do Festival de Cannes no mesmo ano. E a mais recente, em 2002 dirigida por Steven Soderbergh, que apesar de ser um bom filme, é bastante criticado por ter deixado o tom filosófico da obra original para se voltar ao romance, o que não é nenhuma surpresa quando se tem George Clooney como protagonista.


Também vale ressaltar a belíssima edição capa dura com belos mosaicos representando o planeta oceânico, ótimo trabalho que vem sendo feito pela editora Aleph em todo seu catálogo de ficção científica.

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